A moda americana de fazerem remakes de tudo à sua maneira, por vezes sofre golpes inesperados. O mais recente terá sido a cláusula na aquisição dos direitos de Gojira/Godzilla pela Legendary que permitia a produção de filmes pela Toho. Pois a casa de Gojira ao ver o sucesso do clone, decidiu colocar em marcha a sua própria versão doze anos depois da anterior. O mundo aplaudiu e o filme acabou por ser vendido para vários territórios (tem uma centena de países como objectivo o que o tornará o filme mais vendido pelos estúdios).
O primeiro filme “Gojira” apareceu em 1954. Chegou a Portugal como “O Monstro do Oceano Pacífico” quase três anos depois, e desde então foi cânone. Todos os filmes Toho sobre o monstro assumiam que ele tinha surgido em 1954. Pois isso acabou e aqui vemos o Japão a braços com o monstro pela primeira vez. À moda americana.
Tudo começa dentro de água. Um túnel submarino começa a deixar entrar água. Os sismógrafos não encontram explicação e nada indica defeitos da construção. Depois a água entra em ebulição. E enquanto o gabinete de crise tenta encontrar uma explicação racional e um jovem atira para o ar a ideia de ser uma criatura aquática, começam a surgir imagens. Primeiro uma cauda, depois mais do que isso. É uma gigantesca e efervescente criatura que os cientistas dizem ser incapaz de aguentar o seu peso em terra. Pois eles estão errados e quando tudo falha, forma-se uma equipa de especialistas capazes de pensar fora da caixa para estudar o monstro e descobrir como o deterão, antes que Tóquio e o país sejam destruídos.
O Japão tem vários traumas no seu passado. Olhando para o último século teve a bomba atómica, os terramotos e os acidentes em centrais nucleares. Só lhe faltava mesmo o kaiju. Neste filme enfrentam todos esses fantasmas e para o povo japonês terá sido muito doloroso recordar tudo isso. Para alguém de fora, é mais um blockbuster onde uma cidade sofre o apocalipse. Os efeitos especiais no início parecem fracos, mas à medida que o monstro evolui e se defende dos ataques, a melhoria será tão grande que até poderá ser libertada alguma expressão de espanto. Claro que não se compara às mega-produções de Hollywood, e há sempre a questão cultural na percepção da gravidade da situação e do exagero, mas para a história em questão era o suficiente.
A realização foi entregue a Shinji Higuchi que tem trabalhado com este monstro desde os anos 80 em diversas funções e recentemente liderou a adaptação de “Attack on Titan”. Ao seu lado está o seu velho parceiro (na saga "Evangelion”) Hideaki Anno. Eles conseguem recriar o mito com dimensões superiores a qualquer outro filme (incluindo o americano) e mais destruidor do que se poderia imaginar, mas nem só de argumento e técnica se faz o filme. A trama entre os humanos é pertinente e o jogo político é um elemento chave da narrativa, entre jogos de bastidores e interesses que se degladiam em vez de procurarem a melhor solução. O Japão tem a humildade de admitir que precisa de ajuda, que um problema desta magnitude diz respeito às Nações Unidas e não só ao Japão (alguma vez os americanos fariam isso?) e isso dá-lhe autenticidade. No seu todo é um filme que se vê bem e considerando todo o hype gerado, acaba por nem desiludir. O único problema é que tentaram fazer uma omelete sem ovos e querem que Satomi Ishihara (de “Sadako 3D”) passe por americana de origem japonesa quando o seu inglês era nulo. A personagem está bem pensada e a interpretação é boa. Com uma actriz que realmente fosse nipo-americana, ou um diálogo menos intenso, o filme estaria concluído sem problemas de maior. Se forem daqueles que lêem legendas para tudo e para quem inglês e japonês soa ao mesmo, talvez funcione. Para quem ouça inglês, é uma grande falha.