Quem prenunciou a desgraça para as companhias ferroviárias com o advento das viagens aéreas low cost, não imaginava o que o cinema iria fazer logo depois. Ainda que Portugal tivesse “A Suspeita”, o resto do mundo só receava o comboio caso, por uma estranha coincidência, estivessem a bordo todos os inimigos como na imaginação prodigiosa de Agatha Christie, ou se estivesse armadilhado como “Runaway Train”.
Muito recentemente saiu “Howling” onde os tripulantes e passageiros de um comboio imobilizado enfrentam uma ameaça licantrópica vinda do exterior. E agora da Coreia chega-nos, não um comboio de sobreviventes resignados como em “Snowpiercer”, mas um comboio de pessoas em pânico e na ignorância, com medo de continuar no comboio, medo de sair onde queriam, medo de sair onde lhes mandam, medo de tudo.
A história começa com um gestor de fundos muito ocupado cuja filha exige passar o aniversário com a mãe. Se ele não a levar, ela vai sozinha de comboio. Forçado a fazer a viagem, escolhe um comboio bem cedo de forma a voltar a tempo de trabalhar de tarde. Nesse comboio estão centenas de pessoas, desde atletas do secundário rumo a um evento desportivo, irmãs na terceira idade, um casal à espera da filha por nascer, uma mulher que se contorce de dores e foi mordida… Quando a televisão diz que algo se passa e as pessoas estão loucas, é demasiado tarde. Já há zombies no comboio e como não há por onde fugir, a única esperança será lutar.
Sang-ho Yeon não será um desconhecido depois de filmes como “King of Pigs” e “The Fake” que cobriram os principais de cinema fantástico e de animação do mundo recolhendo prémios em vários continentes. Ainda que se expresse maioritariamente em animação, Sang-ho aponta em exclusivo para o público adulto, tratando temas sérios e explorando a violência sem as limitações técnicas da imagem real. Esta sua chegada à imagem real (ainda que a meio gás pois a outra metade da narrativa, “Seoul Station”, é em animação) trazia muita expectativa e os resultados comerciais assim como as críticas confirmaram que vinha aí algo grande. “Train to Busan” não desiludiu. Não só cumpre as expectativas como as supera. É um filme muito bom e uma chamada de atenção para quem tenta fazer filmes de zombies há anos sem nunca acertar.
Neste incrível filme de Sang-ho temos o drama familiar, temos a crítica social e temos histórias comuns sobre pessoas vulgares. As duas horas chegam para tudo isso e muito mais enquanto correm e se escondem de zombies imparáveis e raivosos, autênticos animais esfomeados, num corredor longo, mas sem escapatória. Como em qualquer boa história vamos conhecendo as personagens aos poucos e gostando mais ou menos delas e, tal como tem acontecido na televisão ultimamente, assim que começamos a gostar de uma personagem ela é morta. O visionamento numa sala bem cheia provocará aplausos em actos de coragem, de fé, de sacrifício. Serão aplaudidas várias decisões que noutro cenário seriam censuradas e mais de uma vez o espectador poderá esquecer-se de respirar perante uma situação que se desenrola na tela. Os monstros são eficazes, diferentes do convencional e francamente parecem os mais perigosos que se viu em vários anos, visto que apenas têm uma fraqueza. Talvez o melhor drama zombie deste século.
Dum ponto de vista técnico não há nada a apontar. Foram tomadas várias decisões corajosas e a imagem real acabou por responder de forma muito aceitável aos desafios propostos. A narrativa tem dois momentos melodramáticos demasiado extensos, mas tem uma intensidade fabulosa e uma montanha-russa de emoções com vários possíveis finais a serem seguidos por cenas de acção ainda mais empolgantes e angustiantes do que aquilo que já foi visto. “Train to Busan” só no seu país facturou dez vezes o que custou e ainda tem muito mundo por explorar. Espero que contribuam para isso pois merece ser visto em ecrã bem grande e com muita gente em volta. Sejam fãs do terror ou não. Pois este terror não é de sustos repentinos que pode traumatizar os incautos, é apenas uma horda selvagem, imparável e barulhenta que vai conseguir o seu alimento custe o que custar. O único monstro aqui é humano. Algo que nunca surpreende, mas ainda nos choca.